O Primeiro Congresso Internacional de Análise Econômica e Processo, promovido pela Escola de Magistratura do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) foi realizado nos dias 12 e 13 de novembro no auditório do Tribunal. O objetivo foi promover uma discussão interdisciplinar e o intercâmbio de conhecimento entre juristas, acadêmicos e profissionais de diversas áreas sobre os avanços teóricos e práticos da análise econômica dentro dos processos judiciais. No segundo dia do evento foram apresentados estudos de casos.
A abertura contou com a participação do vice-presidente e corregedor do TRF6, desembargador federal Ricardo Rabelo e com o coordenador pedagógico do evento, desembargador federal Edilson Vitorelli.
Caso Mariana
O desembargador Ricardo Rabelo relatou como foram desenvolvidas as diversas etapas de negociação para se chegar à repactuação do caso Mariana, trabalho realizado ao longo de 1,5 ano em que ele ficou dedicado somente a esse processo. Foram 70 reuniões presenciais realizadas em Belo Horizonte, Vitória e Brasília, dentro dos órgãos federais e estaduais e também dentro de escritórios de advocacia, e mais 60 encontros virtuais. “Em dezembro de 2023 começamos as discussões financeiras. Fiz reuniões com as partes separadamente para a construção de valores e do fluxo de pagamento, tratando-se tema por tema”, contou o desembargador.
Rabelo explicou o quão complexo foi este trabalho e como foi difícil apaziguar os ânimos, já que muitas vezes aconteceram discussões acaloradas. “É o segundo acordo do mundo em termos de valores, e talvez possa ser considerado o maior acordo do mundo”, falou o desembargador Ricardo Rabelo.
Tragédia dos Comuns
A juíza estadual Mônica Silveira Vieira apresentou a palestra “Abuso do Direito de Ação, Tragédia dos Comuns e Promoção do Acesso Responsável aos Serviços Judiciários”. A juíza começou dizendo que o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que apresenta informações sobre a atuação do Poder Judiciário brasileiro, revela que entraram em 2023, 35 milhões de processos novos, o maior número da série histórica de quase 20 anos, um aumento de 9,4% em relação ao ano anterior. “Seria isso um aumento do acesso à Justiça?”, questionou. “Se não entrasse mais nenhum processo, levaria ainda cerca de dois anos para finalizar as ações que estão aí. Isso sem falar nos pagamentos”, completou.
A juíza Mônica Vieira explicou que dessa maneira acontece o que é conhecido como “Tragédia dos Comuns”, situação em que um recurso compartilhado por várias pessoas se esgota devido ao uso excessivo. “Muitas pessoas podem acessar a Justiça, mas, cada vez que alguém entra com recurso, limita a disponibilidade de justiça. A possibilidade de prestar o serviço jurisdicional precisa ser exercida em equilíbrio de modo a não inviabilizar uma justiça de qualidade. Quem pratica a litigância abusiva prejudica o sistema. É preciso gestão institucional da litigiosidade para que ela não seja predatória”, observou.
Raciocínio econômico dos tribunais
O professor de Direito da FGV, Bruno Meyerhof, que é também professor visitante na UC Berkeley School of Law, onde leciona Law & Economics, falou sobre “Raciocínio Econômico nos Tribunais”. Ele começou citando a obra “A economia em uma única lição”, de Henry Hazlitt. “A economia é uma ciência que trata das consequências”, afirma o professor. E pontua que é barato acessar o sistema judiciário no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos.
Para Meyerhof, os custos baixos elevam o número de processos. “Aí perguntamos, como surgem os processos? O mundo a economia parece estar ligado ao pragmatismo. A justiça pode ser assim também? A justiça ligada ao pragmatismo pode inviabilizar o Direito. O economicismo na justiça pode levar à ilegalidade. Os conceitos econômicos não foram criados para apoiar questões jurídicas. Faço esses comentários para ressaltar que a Economia tem um papel importante no Direito”, refletiu o professor.
A Justiça Multiportas e a análise econômica do Direito
O juiz de direito do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, Bruno Bodart, abordou o tema “A Justiça Multiportas sob a Ótica da Análise Econômica do Direito”. O professor, em sua pesquisa, observou que desde o Brasil Colônia já se queixava do excesso de casos para serem julgados. “O número de casos sem solução chega a 83 milhões”, informou o juiz.
Bruno Bodart fala do excesso de casos relacionados à justiça gratuita e questiona sobre o que seria a insuficiência de recursos para litigar. “A maioria das ações vem de endereços de pessoas mais abastadas. Os mais pobres acabam pagando mais para que os mais ricos litiguem”, alerta o juiz.
Outra observação que o juiz Bodart faz é sobre a conveniência relacionada ao preço a pagar no caso de uma condenação. “Uma mineradora, por exemplo, que poderia evitar o rompimento de uma barragem, prefere pagar as indenizações porque para ela fica mais barato”, comenta.
Bodar argumenta ainda que a lei brasileira estimula a litigância e desestimula acordos. “Os mecanismos processuais que estão sendo usados para fazer acordos não estão funcionando. Esses mecanismos podem forçar acordos que diminuem a aplicação da lei. Acordos de valor baixíssimo não valem a pena. Acho perigosos os acordos que tem sido feitos na área administrativa e criminal”, diz o juiz.
Bruno Bodar comenta ainda que nos Estados Unidos a inteligência artificial está sendo usada para criar peças e os advogados estão usando a IA para uma justiça mais barata e com mais produtividade, mas “a que custos?”, questiona.
Jurimetria e Análise Econômica do Judiciário
A economista e professora Luciana Yeung abordou o tema “Jurimetria e Análise Econômica do Judiciário”. Luciana apresentou dados de pesquisa realizada dentro de seus estudos econômicos e, dentre os resultados, está que a justiça no Brasil não é mais acessível que em outros países. Pelo contrário, é mais cara e de difícil acesso. “É uma justiça para os ricos. Cerca de 35% das pessoas que pedem gratuidade nos processos têm em média R$11 mil de renda mensal. A sociedade precisa saber, pois o dinheiro público tem sido usado para custear ações de quem pode pagar”, afirma.
Outro aspecto levantado por Luciana é sobre a pouca diferença da informatização dos processos. “A eficiência judicial não está melhorando, a despeito da informatização”, observou. A professora também destacou que tribunais com viés nos julgamentos não são confiáveis.
Entre os diversos autores pesquisados por Luciana Yeung está o Prêmio Nobel de Economia, Ronald Coase, autor, entre outros trabalhos, do livro “A firma, o mercado e o direito”, da Editora Forense. Luciana citou que Coase acreditava que “Tribunais têm impactos diretos na economia. Eles deveriam oferecer incentivos para atividades que são conduzidas de maneira voluntária e livre, que levam a criação de riqueza”.
Análise Econômica e Processo Estrutural
O desembargador federal Edilson Vitorelli fez observações sobre os últimos temas apresentados e falou sobre o tema “Análise Econômica e Processo Estrutural”.
Vitorelli citou o exemplo dos processos para se conseguir o benefício previdenciário. “Mesmo os que são capazes de trabalhar são estimulados a litigar se o benefício for maior que o custo para litigar”, comenta. O desembargador explica que o mercado da advocacia favorece a litigância pois os advogados só cobrarão seus honorários após o êxito da ação.
Vitorelli esclarece que a proposta do processo estrutural é resolver essas demandas em conjunto, sem a necessidade de litigar. “Pois atualmente, quem cumpre as regras do jogo pedindo pensão diretamente ao INSS, sem entrar com ação na Justiça, acaba ficando no fim da fila, pois os processos que estão com ação na Justiça serão passados na frente para análise pelos servidores do órgão”, conclui.