
O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) participou do II Seminário de Direitos Indígenas, organizado pela Universidade Federal de Minas Gerais por meio do Coletivo de Estudantes Indígenas da UFMG e pelo próprio Tribunal, com o tema “Memória, Verdade e Reparação”. O desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz apresentou a palestra “Relatório Figueiredo e o Genocídio Indígena”. "A estudante de Direito e vice-coordenadora do COLEI, Anaíne Anikualo, apresentou a exposição 'Enfrentando desafios: Justiça para os Povos Indígenas', enquanto o professor da Faculdade de Direito da UFMG, Emilio Peluso Neder Meyer, abordou o tema 'Justiça de Transição'."

A abertura do Seminário contou com uma oração xakriabá do estudante de enfermagem e membro do COLEI, Douglas Xakriabá; a primeira palestra foi do magistrado do TRF6, que buscou na Filosofia pré-socrática questionamentos iniciais sobre nossa identidade como indivíduos e como povo, para logo em seguida provocar uma reflexão: que tipo de sociedade formamos quando negamos as violências cometidas contra os povos que sempre habitaram este território?
Álvaro Ricardo relatou a história do Relatório Figueiredo, elaborado em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima. Embora o objetivo inicial fosse investigar casos de corrupção no Serviço de Proteção ao Índio (SPI), o documento revelou, em sua maior parte, evidências contundentes de crimes cometidos por agentes do Estado brasileiro contra povos indígenas em diversas regiões do país. “O documento é extremamente importante porque é o único, no período da ditadura, em que há uma admissão pública do governo sobre práticas de tortura e assassinato. É um documento ímpar, e pouquíssimas pessoas têm conhecimento disso”, afirmou o desembargador federal, que também destacou que a negligência com a memória histórica impede a construção de uma identidade forte na sociedade brasileira.

Em sua palestra, o magistrado relembrou que é importante reconhecer o genocídio que ainda ocorre contra povos originários, no Brasil e em outros lugares do mundo: “Quando a gente fala em genocídio — e o que aconteceu e acontece nos dias de hoje segue sendo um genocídio contra os povos originários — é preciso lembrar a fala de David Kopenawa e Aílton Krenak: o Brasil foi invadido em 1500. São 525 anos de guerra, de massacre, 525 anos de pessoas que ignoram o mínimo: quem são os indígenas, quem são originários.”
Acesso à Justiça e à reparação ainda são desafios
Ainda que os direitos referentes aos povos indígenas estejam garantidos pela Constituição Federal de 1988, a concretização deles ainda segue como um dos principais desafios da sociedade brasileira, bem como a transposição de barreiras geográficas entre os povos aldeados e as sedes de Tribunais.
"Os povos indígenas produzem direito o tempo todo. Nós sabemos disso, vocês sabem disso. Não é só entrar numa faculdade e meio acadêmico que vai fazer com que a gente tenha conhecimento. Não é isso aqui [o Seminário] que vai nos tornar mais ou menos adaptáveis a uma sociedade. Nós somos uma sociedade, muito forte e muito organizada. Somos nós que enfrentamos, com toda a nossa coragem, com toda a nossa ancestralidade, os diversos ataques que têm ocorrido”, afirmou Anaíne Anikualo em sua exposição de abertura do Seminário.

Neste sentido, finalmente a palestra de Emílio Peluso relembrou que a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) da Lei de Anistia, promulgada em 1979, trouxe danos à possibilidade de responsabilização dos perpetradores de crimes contra a humanidade e de graves violações dos direitos humanos — fatos que atingiram especialmente os povos indígenas. “O que caracteriza um crime contra a humanidade é o fato de ser praticado de forma sistemática contra a população de um determinado Estado. Isso ocorreu diversas vezes durante a ditadura de 1964 a 1985, especialmente em relação aos povos indígenas, de maneira talvez ainda mais evidente. Ao se reconhecer como crime contra a humanidade, a consequência é que tais atos não podem ser anistiados e não estão sujeitos à prescrição — entendimento que, infelizmente, o Supremo adotou de forma diversa em 2010”, concluiu o professor da UFMG.

Sobre o Seminário
Essa foi a segunda edição do Seminário de Direitos Indígenas, que promove a divulgação de fatos históricos, a preservação da memória e o reconhecimento de violações sofridas pelos povos indígenas, notadamente durante o período da Ditadura Civil-Militar brasileira. O objetivo do encontro é conscientizar a comunidade acadêmica, jurídica e também toda a sociedade acerca dos direitos humanos e sua concretização, além de estimular a compreensão da necessidade da justiça de transição.
O Seminário ainda contou com a participação do professor da Faculdade de Direito da UFMG e coordenador acadêmico do evento, Fernando Gonzaga Jayme; do procurador da República do Ministério Público Federal, Edmundo Antônio Dias; da desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Shirley Bertão; da advogada Lethicia Reis de Guimarães, representando o Conselho Indigenista Missionário (CIMI); da professora da Faculdade de Direito do Centro Universitário Dom Hélder Câmara, Mariza Rios; e do diretor-geral do Movimento Nacional de Direitos Humanos em Minas Gerais, Lucas Teles.


