
Nos corredores da Justiça Federal em Belo Horizonte, onde diariamente processos são movimentados e decisões são proferidas, há também espaço para histórias que revelam coragem, transformação e humanidade — e que evidenciam o amadurecimento institucional de um sistema que aprende, cada vez mais, a acolher a diversidade da vida real.
Um exemplo tocante é o do servidor Rodrigo Varzim Ferrari de Lima, que integra os quadros da Justiça Federal desde 1999. Ao longo de mais de duas décadas de dedicação ao serviço público, Rodrigo trilhou também uma jornada pessoal marcada por coragem, amor e compromisso: ao lado do marido, Thiago, escolheu formar uma família por adoção. Dessa escolha nasceu José Heitor.
Hoje com quatro anos, a chegada de Heitor representou muito mais que um novo capítulo na vida do casal — foi uma revolução afetiva.
“A cada dia, vivemos um processo de transformação e aprendizagem”, compartilha Rodrigo, emocionado, ao falar sobre os desafios e descobertas que a parentalidade por adoção proporciona.
Mas esse reencontro de destinos não aconteceu por acaso. Foram mais de seis anos de espera, enfrentando um processo longo e exaustivo, pontuado por esperança, angústia, incertezas e longos silêncios.
“Houve momentos em que pensamos em desistir. A pandemia, a espera prolongada e problemas de saúde testaram todos os nossos limites. Mas persistimos, acreditando que havia uma criança esperando por nós”, recorda Rodrigo.
Persistiram — e conseguiram.
A adoção de Heitor não foi apenas a conclusão de um processo jurídico: foi o início de uma nova construção familiar. Uma família que foge dos moldes tradicionais, mas que se ergue sobre os pilares mais sólidos: o cuidado, o afeto e a escolha consciente de amar.
Casais homoafetivos, como Rodrigo e Thiago, ainda enfrentam barreiras dentro de um sistema que, por vezes, hesita em reconhecer plenamente a diversidade das estruturas familiares.
“A Justiça evoluiu, sim. Mas ainda esbarramos em preconceitos institucionais e sociais. A pluralidade das famílias precisa ser reconhecida com mais sensibilidade”, afirma Rodrigo.
E foi justamente essa sensibilidade institucional que se revelou, de forma inédita e simbólica, com a concessão da primeira licença-adoção da história do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6).
Ao solicitar o benefício, Rodrigo não buscava um privilégio, mas sim o reconhecimento de um direito fundamental: o tempo necessário para construir vínculo, curar traumas e estabelecer uma relação de pertencimento com uma criança que carregava, em si, a memória de perdas e a ausência de um lar.
“Essa licença não é apenas uma pausa no trabalho. É um espaço de cuidado, escuta e reconstrução afetiva. Heitor precisa — e nós também — desse tempo para nos tornarmos uma família.”
A resposta do TRF6 foi rápida e acolhedora. O pedido foi analisado com agilidade e sensibilidade pela equipe da Seção de Legislação de Pessoal (Selep), em uma decisão que Rodrigo descreve como simbólica e emocionante.
“Quando comecei na Justiça Federal, esse tipo de acolhimento era impensável. Hoje, sinto que demos um passo importante, não só como família, mas como sociedade.”
Rodrigo fala com ternura das pequenas grandes vitórias de Heitor: a superação de dificuldades na fala, o início do desfralde, o abandono do bico.
“São conquistas imensas, construídas com presença e cuidado. José está se tornando ele mesmo. E nós, pais melhores.”
Sobre o futuro, ele é sereno.
“Hoje, nosso foco é o bem-estar do Heitor. Mas sabemos que o acolhimento transforma vidas. Não fechamos a porta. Se voltasse no tempo? Faria tudo de novo. Cada desafio nos moldou. A adoção não é caridade — é amor. É encontro.”
A história de Rodrigo, Thiago e Heitor é mais do que um relato de amor e reconstrução familiar: é também um marco no caminho do reconhecimento institucional da diversidade.
Ao conceder sua primeira licença-adoção, o TRF6 não apenas assegurou um direito previsto em lei — foi além. Afirmou um compromisso com a equidade, com a dignidade humana e com o reconhecimento das múltiplas formas de amar e cuidar.
Num país onde as famílias diversas ainda enfrentam resistências, o gesto do TRF6 ecoa como símbolo de maturidade institucional e respeito às transformações sociais. Mostra que a Justiça também é capaz de evoluir, escutar e, sobretudo, humanizar suas práticas.
“O vínculo não nasce do sangue, mas da presença, do cuidado e do amor cotidiano”, define Rodrigo com sabedoria.
E para quem sonha em adotar, ele deixa um recado cheio de ternura e verdade:
“Preparem-se para amar uma criança com história, com marcas e com um futuro inteiro pela frente. A adoção transforma. Transforma a criança, transforma a gente. É um compromisso de alma.”
Em tempos em que se discute tanto o que é Justiça, poucas histórias a ilustram tão bem quanto a de uma criança que, enfim, encontrou seu lar.
A trajetória de Rodrigo e Thiago, com a chegada de Heitor, é prova viva de que o amor, quando reconhecido e apoiado pelas instituições, tem o poder de transformar não apenas vidas individuais, mas também os caminhos da própria Justiça.
Ao apoiar histórias como essa, o TRF6 reafirma seu papel como agente de transformação social — e mostra que há espaço, sim, para o afeto nas estruturas públicas.
Porque há momentos em que o afeto também tem força de lei.
