A Caminhada Negra, promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em nível nacional, movimentou Belo Horizonte neste sábado, reunindo participantes em um roteiro cultural e histórico que destacou a herança e a representatividade negra na capital mineira. O evento contou com a participação de personalidades como o vice-diretor do foro da Seção Judiciária de Minas Gerais do Tribunal Federal da 6ª Região (TRF6), juiz federal Grigório dos Santos, a ministra do Tribunal Superior Eleitoral, Edilene Lobo, a desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e coordenadora dos magistrados negros pela Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), Sandra Fonseca, e também dos guias de turismo Lucas Xavier e Saulo Lisboa, responsáveis por conduzir o grupo nesta imersão histórica.
O percurso, batizado de Rota Maria do Arraial, teve início na Praça da Liberdade, um dos marcos culturais da cidade, e seguiu para o Cine Belas Artes, a Igreja de Lourdes, a Academia Mineira de Letras e o Largo do Rosário, local de grande importância para a memória afro-brasileira em Belo Horizonte. A rota homenageia Maria do Arraial, uma mulher negra que resistiu à desapropriação de sua casa para a construção do Palácio do Governador, destacando-se por seu conhecimento sobre a terra e as plantas e pela luta pelo direito à moradia. Sua história, frequentemente distorcida ao longo do tempo, é recontada para valorizar sua força e resistência contra o racismo estrutural da época.
A caminhada também passou pela Praça Afonso Arinos, onde se destaca a figura de Afonso Arinos, autor da primeira lei antirracismo no Brasil, promulgada em 1951, um marco na luta pela igualdade racial e pela justiça social. No Parque Municipal, os participantes visitaram as estátuas de Carolina Maria de Jesus e Lélia Gonzales, homenagens a duas figuras de destaque na literatura e no ativismo negro no Brasil.
Percepções
Os participantes ressaltaram a relevância da Caminhada Negra como um momento de valorização e resgate da história e da cultura negra em Belo Horizonte, além de um espaço para fomentar debates sobre inclusão e igualdade racial. As falas dos presentes trouxeram reflexões que destacaram a importância da preservação da memória e da luta contínua por uma sociedade mais justa e equitativa.
A ministra do TSE, Edilene Lobo reforçou a importância de movimentos como esse. “Nós precisamos fazer todos os movimentos, inclusive esses de rua, para dizer que as pessoas negras têm que ser consideradas em todas as políticas públicas, em todos os espaços decisórios e o Judiciário brasileiro começa a dar sinais e compreender essa necessidade. As pessoas negras existem, temos muito a colaborar e nós estamos a postos”, afirmou a ministra.
O juiz do TRF6, Grigório dos Santos explicou que a Caminhada Negra é uma iniciativa de um coletivo de juízas e juízes negros que acontece em todo o Brasil em novembro. “Já aconteceu outras vezes aqui em BH e é a primeira vez que eu participo. O objetivo do movimento é destacar a necessidade de equidade em todo o Brasil e particularmente no Judiciário brasileiro. Estamos no mesmo barco e queremos remar juntos da construção do país e da nossa sociedade”, falou o juiz.
A desembargadora Sandra Fonseca avaliou que o evento representa um avanço no combate ao racismo. “Esse evento é muito importante porque representa um avanço contra o racismo. No Brasil nós temos 55% das pessoas declaradas pretas ou pardas, e essa representatividade nos tribunais ainda é muito pequena. A população hoje se sente melhor representada pelos juízes no Brasil. Esse movimento é nacional”, declarou a desembargadora.
Sandra Fonseca completou que o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu o mínimo de 20% de magistrados negros nos concursos. “No estado de Minas Gerais, a Amagis providenciou um avanço significativo. Temos representantes da Justiça estadual de primeira e segunda instância. Temos representantes na magistratura federal e na magistratura militar”, disse Sandra Fonseca.
O guia
Encerrando o trajeto, o grupo seguiu até o Mercado Novo, um espaço de convivência e celebração da cultura mineira, onde puderam refletir sobre a importância do evento e fortalecer os laços culturais e sociais promovidos pela caminhada. A Caminhada Negra, com sua rota cuidadosamente planejada e participações engajadas, reafirmou seu papel como uma celebração do passado e um convite à construção de um futuro mais consciente e inclusivo.
Lucas Xavier, turismólogo da Sensações Turismo, coordenadora do programa Horizontes Negros e da Caminhada Negra Belo Horizonte, explica que há o Guia Negro, que é uma plataforma de turismo traz a narrativa preta da história de várias cidades brasileiras e também em Belo Horizonte. “A gente faz essa parceria para recontar essa história, essa narrativa preta de Belo Horizonte. Então a gente retoma os espaços de poder e história e toda a cultura preta de Belo Horizonte a partir dessas caminhadas, interpretando os espaços, falando das personalidades, falando da importância que é a gente entender como que essa sociedade foi formada. Na Rota Maria do Arraial destacamos a questão da resistência e de como que a sociedade coloca as pessoas pretas em determinados quadrantes. Só que a gente não cabe em quadrantes, estamos muito além do que nos determinam. Então, essa caminhada é o momento de a gente quebrar as paredes das narrativas já colocadas e para ampliar a visão do que realmente é o poder da população preta na construção dessa cidade”, conclui.