TRF6 determina aviso em vídeos do YouTube sobre proibição de propaganda infantil abusiva

A imagem é uma montagem com fundo vermelho e uma linha branca em forma de "V", subindo da esquerda para a direita, como um gráfico de tendência de alta. A imagem se foca em uma garota com cabelo castanho e tranças. Ela usa uma mochila amarela, uma camisa branca e calças jeans. Seus olhos estão cobertos por uma faixa preta.

Ela parece estar no centro de um evento midiático, cercada por equipamentos de filmagem e fotografia. Duas mãos, uma de cada lado, seguram uma câmera profissional e um gravador de vídeo. A câmera de foto aponta para a garota e exibe a imagem dela em sua tela.

Resumo em Linguagem Simples
  • O juiz federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, do TRF6, concedeu tutela de urgência em recurso do Ministério Público Federal contra a União e o Google Brasil (YouTube). A decisão, proferida em 18/08/2025, determina que a plataforma exiba, em até 60 dias, alerta visual claro sobre a proibição de merchandising ou promoção de produtos protagonizados por crianças, além de criar um campo específico para denúncias desse tipo de conteúdo.
  • O vídeo “Adultização”, do influenciador Felca, que alcançou mais de 40 milhões de visualizações em uma semana, foi citado na decisão. Segundo o juiz, o conteúdo pode induzir crianças e adolescentes a desvalorizarem estudos e responsabilidades, promovendo experiências precoces e, em alguns casos, até servindo como canal para redes de pedofilia.
  • O magistrado reforça que a proteção integral de crianças é dever de todos – família, Estado e sociedade – e que medidas preventivas, como alertas claros e canais de denúncia, não têm complexidade técnica ou custo desproporcional.
  • Além disso, a decisão se conecta a projetos de lei em tramitação, como o ECA Digital e o PL 3161/2024, voltados à regulação de conteúdos e publicidade infantil online.

O juiz federal convocado Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, atuando em auxílio à Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), concedeu tutela de urgência em recurso de apelação apresentado pelo Ministério Público Federal. A medida, que havia sido negada em primeira instância, foi deferida contra a União e a Google Brasil Internet Ltda., responsável pela plataforma YouTube. A decisão foi proferida na segunda-feira, 18 de agosto de 2025.

O juiz determinou que a Google coloque, no prazo de 60 dias, alerta visual “ostensivo” (ou seja, claramente visível, de modo chamativo) na página inicial do YouTube ou em todos os vídeos, “informando sobre a proibição e/ou abusividade da veiculação de merchandising (citação de marcas, sem características claras de propaganda) ou promoção de produtos e/ou serviços protagonizados por crianças ou a elas dirigidos, com menção expressa às restrições previstas no art. 2º da Resolução 163/14 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), bem como a criação de campo específico, na página de denúncia de conteúdo impróprio, destinado exclusivamente à comunicação de casos envolvendo publicidade dirigida ao público infantil”

A decisão comenta sobre o vídeo “Adultização”, do influenciador Felca

Na parte inicial de sua decisão, o juiz lembra que o país tem debatido intensamente a temática da “adultização” de crianças, impulsionada por vídeo divulgado no próprio YouTube em 06/08/2025, pelo influenciador digital Felca, que alcançou mais de 40 milhões de visualizações em uma semana, propondo uma reflexão sobre a participação do público infantil em conteúdos veiculados na internet.

Observa-se a existência, segundo o juiz, de uma narrativa que “pode induzir crianças e adolescentes a desvalorizarem o estudo sistemático, a disciplina e a qualificação profissional”, em favor discursos superficiais de empreendedorismo, destituídos de embasamento científico ou técnico e muitas vezes alicerçados em exemplos isolados de “sucesso fácil”

Esses conteúdos, muitas vezes apresentados como forma de entretenimento, são utilizados para gerar engajamento e monetização, transformando a vida da criança em produto de consumo. Em diversos casos, esse uso é justificado pelo discurso de benefício financeiro às famílias, especialmente aquelas de origem simples, que veem na popularidade digital uma fonte de renda alternativa.

Segundo o juiz, o vídeo de Felca também aborda a inserção de adolescentes em situações de sugestão sexual, distorcendo a vivência própria da infância, com antecipação de experiências e responsabilidades típicas da vida adulta. O juiz ressalta que “vídeos aparentemente inofensivos, com a participação de crianças, podem funcionar como canais de comunicação e de ampliação de redes de pedofilia”.

A proteção integral de crianças e adolescentes é dever de todos, sem exceções

A decisão adverte que é incorreta a percepção de que apenas o Estado ou a família, representada pelos pais, seriam responsáveis pelo que as crianças acessam ou produzem na internet. O sistema de proteção integral da criança e do adolescente, previsto na legislação brasileira e baseado em normas internacionais, estabelece um dever compartilhado entre família, Estado e – também – sociedade de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais e prevenir qualquer forma de violação aos direitos da criança e adolescente.

Para o julgador, as providências não apresentam complexidade técnica ou custo desproporcional ao Google, já que não impõem a exigência de controle prévio de conteúdo postado pelos usuários. Trata-se, apenas, de informar de forma muito clara a abusividade de determinadas práticas e oferecer um campo específico para denúncias.

Assim, explica o juiz, “a Google, como operadora da maior plataforma de vídeos em atividade no Brasil - o YouTube -, é agente social de relevância central”. Sua influência sobre o comportamento de milhões de brasileiros, incluindo crianças, seria indiscutível. Essa condição, combinada ao poder econômico e tecnológico da empresa, impõe-lhe o dever jurídico e social de cooperar com o sistema de proteção integral previsto no art. 227 da Constituição Federal e regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8069/90) e, neste processo relacionado à publicidade dirigida às crianças, também tratado no Código de Defesa do Consumidor.

Atualizações sobre a questão no Brasil

Na última quarta-feira (20/08/2025), dois dias após publicada esta decisão, foi aprovada na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2628/2022 (conhecido como "ECA Digital").

No projeto, estabeleceu-se várias obrigações para plataformas digitais (prevenção de conteúdos nocivos, implementação de controles pelos pais, verificação de idade mais segura, dentre outras) e a “autoridade reguladora nacional autônoma” para fiscalizar e punir infrações. Contudo, o texto atual não exige atuação preventiva das plataformas na remoção de conteúdos, com a retirada da expressão “dever de cuidado”.

Sobre o controle de publicidade digital dirigida às crianças, está em análise na Câmara dos Deputados, desde dezembro de 2024, o projeto de lei nº 3161/2024. Já aprovado no Senado, tem como foco proteger crianças da publicidade persuasiva em redes sociais, aplicativos, jogos e websites. O Projeto também estabelece a proibição de apelos emocionais, manipulação, uso de personagens infantis, brindes, promoções, além da coleta de dados pessoais sem consentimento dos pais.

Processo n.0054856-33.2016.4.01.3800. Julgamento em 18/08/2025.

José Américo Silva Montagnoli

Analista Judiciário

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