A Escola de Magistratura do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) realizou no dia 8 de outubro o seminário “200 anos de Constitucionalismo no Brasil: o Papel das Cortes Constitucionais na Democracia”. O objetivo foi promover uma análise do constitucionalismo no Brasil com ênfase no papel desempenhado pelas cortes constitucionais na consolidação e manutenção da democracia. Os palestrantes convidados foram a doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Observatório de Justiça no Brasil e na América Latina, Marjorie Marona; o professor de Direito Constitucional na UFMG, Emilio Peluso Neder Meyer; o juiz federal do TRF6, Marcelo Eduardo Rossito Bassseto e o juiz federal do TRF6, Paulo Alkmin Costa Júnior. O evento contou com mais de 200 pessoas inscritas e a gravação ficará disponível no YouTube da Escola de Magistratura.
A primeira Constituição brasileira foi a Constituição de 1824, outorgada pelo imperador Dom Pedro I. O imperador dissolveu a Assembleia Constituinte formada em 1823 que estava elaborando uma outra constituição estabelecendo limites para seu poder, colocando-o como sujeito às decisões tomadas pelo Legislativo. Além disso, essa Carta, se aprovada, não permitiria que portugueses ocupassem cargos na política brasileira. Insatisfeito com os rumos que as coisas estavam tomando, Dom Pedro I, após dissolver a Assembleia Constituinte com o apoio do Exército, impôs seu próprio projeto, que assim se tornou a primeira Constituição do Brasil.
Ao longo dos anos as constituições foram se sucedendo na história do Brasil, de acordo com as necessidades da sociedade da época e também como reflexo dos grupos políticos no poder no momento. E assim também aconteceu com o funcionamento das cortes constitucionais. “Esse conhecimento e discussão é muito importante num momento em que as cortes constitucionais têm sido tão questionadas, não somente no Brasil, mas também em outros países. Abordo em minha fala nesse seminário sobre como o populismo liberal por vezes antagoniza com as forças constitucionais, tendo dificuldade de aceitar que elas façam esse papel de freio e contrapeso em relação aos demais poderes da república, pelo fato de que o populismo liberal tende a concentrar na figura do chefe do Executivo a legitimidade do exercício da interpretação da Constituição pelo fato dele ter sido eleito pelo povo”, explica o juiz federal Paulo Alkmin Costa Júnior.
O juiz federal Marcelo Eduardo Rossito Basseto entende que a atual constituição se mantém razoavelmente preservada em relação aos direitos fundamentais, embora tenha sofrido modificações, como em relação ao direito Previdenciário, entre outros aspectos. “Quando pensamos no tempo histórico vemos a evolução. Em 1891 tivemos uma Constituição Republicana; em 1834, uma Constituição com direitos sociais sendo inseridos; a de 1937 foi de um período autoritário, e portanto não esteve efetivamente em vigência; a de 1946 com a redemocratização; a de 1967 dentro de outro período autoritário, e finalmente a de 1988, que com o restabelecimento do período democrático, é de extrema relevância. A ideia de uma constituição para organizar o funcionamento da sociedade é algo extraordinário para qualquer país”, analisa.
O professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG, Emilio Peluso Neder Meyer falou sobre “As Cortes Constitucionais e o Liberalismo: Modelos de Enfrentamento”. Ele focou sua palestra na atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e destacou dois recortes de tempo distintos da atuação da Corte Suprema brasileira: 2014 a 2018, e 2018 a 2022. “A performance do STF de 2014 a 2018 foi marcada por atuações que contribuíram para um quadro de instabilidade política no país”, observou Neder Meyer, que cita o “lavajatismo” como uma das pautas que caminharam nesse sentido, entre outros casos da época, que culminaram com o Impeachment. “Já de 2018 a 2022, com a entrada do governo Bolsonaro, o STF assume uma postura mais reativa, pois a Corte passa a ser objeto de ataques do Executivo”, analisa.
A doutora em Ciência Política, professora Marjorie Marona, abordou o tema “Os donos do Supremo? A trajetória institucional da presidência da mais alta Corte do país”. Marona fez um histórico da atuação do Supremo ao longo dos anos, e destacou que inicialmente a presidência da Corte tinha um papel cerimonial e burocrático. Todavia, ao longo dos anos o cargo foi ganhando influência política. “Com o tempo, o STF foi estabelecendo diálogo com os demais poderes e se colocando como um interlocutor da sociedade, e acaba se tornando uma ‘caixa de ressonância dos anseios da população”, afirma. Para chegar a essa conclusão, o grupo de pesquisa de Marona fez um levantamento das agendas dos presidentes do STF, e assim pôde observar diferentes estilos de representação institucional conforme os compromissos e encontros do presidente do STF ao longo de seu mandato. “A pesquisa mostra nos últimos anos uma crescente preocupação do STF com a governabilidade. Também houve uma maior abertura para atores e questões sociais”, avalia.
Marona também destacou que os países da América Latina e em especial o Brasil passaram por diversos percalços políticos que colocaram em risco a estrutura democrática constitucional. “Nesse sentido a Constituição assume um papel ainda mais relevante e estrutural para a Democracia. Por isso é sempre bom revisitar sob o ângulo das ciências política e jurídica essa nossa lei maior que é a Constituição de 1988 e pensar também sobre o constitucionalismo no Brasil. É preciso colocar em perspectiva sobre como chegamos até aqui e como podemos fazer daqui para frente para manter todo o legado positivo da Constituição de 1988”, conclui.