TRF6 recebe visita de protesto e pedido de ajuda de indígenas de São Joaquim de Bicas

No final da tarde de terça-feira, dia 26 de novembro, um grupo de indígenas das etnias Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe, que vive na aldeia Katurãma, em São Joaquim de Bicas, se posicionou em frente ao prédio do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) cantando e dançando cânticos de guerra, usando suas vestimentas características, com cocares e chocalhos, pedindo para serem atendidos pelo Tribunal. O desembargador federal André Prado do Vasconcelos, presidente da Comissão Regional de Soluções Fundiárias e o juiz federal João Miguel Coelho dos Anjos, relator da ação que envolve o caso de disputa de terra que atinge esses indígenas prontamente receberam os manifestantes no Salão de Eventos do Plenário do Tribunal.

Os caciques, cacicas e lideranças dos indígenas explicaram que vieram ao TRF6 sem avisar pois contavam com uma visita técnica do Tribunal à aldeia para solucionar a disputa pela terra, mas a visita foi cancelada repentinamente.

O desembargador André Prado explicou ao grupo que o cancelamento se deu após a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) informar que era preciso que o grupo da visita técnica tomasse determinadas vacinas antes da visita, para não contaminar o grupo, e que isso foi avisado muito em cima da hora. “Será marcada nova data para a visita técnica, provavelmente em janeiro. Não podíamos desautorizar a Funai”, explicou o desembargador.

O juiz João Miguel assegurou aos indígenas que a Comissão de Soluções Fundiárias vai lutar por uma solução consensual para a disputa pela terra. “Muitas vezes na letra fria da lei não se encontra uma solução. Seguiremos com as conversas, estaremos com vocês na terra para ver o que vocês estão passando lá. Talvez a solução venha de vocês mesmos, com ideias e caminhos”, declarou.

Decepção com a Funai

O grupo indígena ficou muito decepcionado com a Funai, pois, para eles, o argumento da vacina não faz sentido, já que eles não são tribo isolada. A cacica Célia Angohó (Célia Gonçalves) fez várias considerações a respeito do que eles estão passando na aldeia para que o desembargador saiba o que está acontecendo. Célia Angohó é parente da pajé Nega Pataxó, assassinada por fazendeiros no início de 2024 no sul da Bahia. Seu esposo é primo de Galdino, indígena queimado vivo em Brasília em 1997 por jovens de elite.

“A Funai impediu vocês do TRF6 de pisar no nosso território para ver nossa situação. Pedimos para a Polícia Militar afastar os bandidos que estão entrando em nossa aldeia para molestar nossas crianças, mostrando suas partes íntimas para elas. Quando nosso parente foi morto a tiros no início do ano (cacique Merong Kamakã Mongoió), a Funai não fez nada, quem nos ajudou foi o Ministério Público Estadual. Vamos abrir uma sindicância na Justiça para exigirmos nosso direito. Para a Funai só existe indígena na Amazônia. Estamos sofrendo com a falta d’água, com lixo, com o ataque às nossas crianças, são 48 crianças na aldeia, estamos sofrendo também com os invasores derrubando nossa mata nativa. Nossa área é a única RPPN (Reserva Particular de Patrimônio Natural) da região e eles desmataram em cima da nascente. Quando chegamos tudo estava sendo devastado. Estamos reflorestando aos poucos as áreas, é uma das poucas áreas preservadas na região metropolitana de Belo Horizonte, e queremos preservar. A Funai tem responsabilidade com a gente. Os invasores cortam a nossa cerca, derrubam o portão, cortam árvores, invadem, não temos segurança. Se a Funai se declara não parte do processo, isso é grave. A Joenia (presidenta da Funai) tem que nos respeitar. Confiamos na caneta de vocês”, concluiu a cacica Célia Angohó.

Entenda o caso

O povo indígena Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe, de origem do sul da Bahia, morava na Aldeia Naô Xohã, que ficava nas margens do Rio Paraopeba, no município de São Joaquim de Bicas (MG), região que foi destruída pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da Vale, em 25 de janeiro do 2019. Eles viviam da pesca e caça, atividades que ficaram inviabilizadas em razão da contaminação do Rio Paraopeba e danos causados ao habitat. A água do rio também era utilizada para consumo humano e para atividades cotidianas, sociais, culturais e espirituais, sendo contaminada pela lama de rejeitos que alcançou a aldeia. A comunidade se dividiu e muitas famílias se espalharam por Belo Horizonte e região metropolitana. Os Pataxó ergueram uma nova aldeia na Mata do Japonês, onde desenvolvem um trabalho de reflorestamento.

A nova aldeia foi batizada Katurãma e foi viabilizada graças à doação de terras feita pela Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira (AMCNB). A entidade cedeu uma área de 36 hectares, conhecida como Mata do Japonês, em São Joaquim de Bicas, onde os indígenas construíram escola, posto de saúde e algumas habitações. Entretanto, desde março de 2021, quando os indígenas começaram a ocupar essa aldeia, ocorrem agressões de grileiros que tentam expulsá-los de lá, culminando, no início desse ano, no assassinato do cacique Merong Kamakã Mongoió. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) que atua no estado, Merong havia manifestado a intenção de “ampliar as lutas”.

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